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Revista Viver & Saúde

Alimentos higienizados adequadamente previnem a doença

O problema é muito freqüente no sul do Brasil, atingindo em torno de 80% das pessoas

A toxoplasmose é uma doença causada por um protozoário que está espalhado em todo o mundo. Estima-se que ela atinja 1/3 da população mundial. Ela tem uma agressividade variada. Para a maioria das pessoas, ela causa um sintoma inicial que pode ser semelhante a uma gripe e ela é autolimitada, ou seja, o próprio corpo controla e muitas vezes não é necessário nenhum tratamento. Mas em 20% das pessoas que entram em contato com este parasita no sul do Brasil ela causa lesões oculares. Pode causar também sintomas sistêmicos porque é uma doença que atinge qualquer órgão. “A cepa que nós temos aqui no sul do Brasil preocupa mais porque ela tem uma predileção pela retina e pode levar desde lesões pequenas até uma cegueira irreversível”, explica o médico oftalmologista Cláudio Silveira.

Viver Saúde – Como ocorre a contaminação?

Silveira – O gato é o hospedeiro definitivo do toxoplasma. Ele se comporta como um multiplicador do toxoplasma. O gato e os felídeos quando ingerem um toxoplasma por exemplo, através da ingestão de um rato contaminado ou um pedaço de carne crua contaminada, vão multiplicar e eliminar pelas fezes, milhões de toxoplasma. E quando ele elimina esse parasita para o meio ambiente ele precisa de um tempo para se tornar infectante. Os gatos de rua são os que oferecem maior risco. Outra forma de contaminação da carne seria a galinha que vai ciscar num terreno onde tenha toxoplasma, ela pode ingerir e se contaminar, formando cistos de toxoplasma no seus músculos. As carnes mais frequentemente contaminadas são as de suínos e ovelhas, na nossa região. A contaminação através da carne de gado é pouco freqüente. Existe também a possibilidade da contaminação ser através de alimentos contaminados pelas fezes do gato como verduras que podem ter os oocistos e as pessoas vão ingerir ao comer essas verduras se não forem bem lavadas. A outra possibilidade é de pessoas que entram em contato como solo, terra do jardim ou da horta.

Viver Saúde – Quais são os passos para diagnosticar a doença?

Silveira – Toda a febre que tenha origem desconhecida, que não tenha uma outra causa, pode ser causada por toxoplasmose. O paciente que tem febre e não tem um diagnóstico, a toxoplasmose entra no diagnóstico diferencial. Essa febre pode ser acompanhada pela presença de gânglios. Mas muitas vezes essa doença é assintomática. Então uma gestante, por exemplo, pode adquirir a toxoplasmose. Se ela não fizer exames de rotina durante a gestação e pré-natal, ela pode vir a saber que teve a toxoplasmose só quando seu filho nascer. E ele poderá ter a doença, pois ela pode ser transmitida através da placenta, de forma congênita. Então, gestantes especialmente, merecem exames preventivos, mesmo que sem sintomas. Qualquer pessoa que tenha presença de opacidades importantes, nuvens, presença de pontos em movimento, que comecem a se movimentar no campo visual, principalmente se forem de forma progressiva.

Viver Saúde – Que tipos de exames são necessários?

Silveira – Inicialmente, após o exame clínico, se faz a dosagem de anticorpos onde se pesquisa anticorpos do tipo IgG, que são marcadores da presença da doença antiga e IgM que é um marcador de doença adquirida recentemente. Um problema com esses exames é que as novas técnicas para a detecção do IgM ficaram tão sensíveis que os anticorpos são detectados mesmo que em quantidades pequenas. Por outro lado os anticorpos IgM permanecem muito tempo no sangue confundindo os pacientes e mesmo os médicos na interpretação. São necessários exames clínicos para ver se existe uma lesão que tem características de toxoplasmose e se possível exames de sangue mais específicos como os novos exames que mostram a presença do toxoplasma no sangue periférico, mostrando que a doença não é antiga.

Viver Saúde – Existem vacinas que podem prevenir a doença?

Silveira – Existem algumas vacinas que são utilizadas em veterinária principalmente para
prevenir aborto em ovelhas que vem sendo utilizado há alguns anos. Mas essas vacinas ainda não foram utilizadas em humanos. Existe uma perspectiva que no futuro essas vacinas possam ser utilizadas para evitar a doença em quem ainda não adquiriu e eventualmente até para auxiliar quem já tenha adquirido.

Viver Saúde – A toxoplasmose tem cura?

Silveira – Sim e não. Sim, porque a fase aguda pode ser controlada, se consegue eliminar o
parasita do sangue, controlar os sintomas e evitar que ela traga conseqüências. Mas, a partir desse momento, a cura definitiva que elimine o parasita do organismo, não existe.
Agora, estudos recentes desenvolvidos pelo nosso grupo, desenvolvido junto com a Escola Paulista de Medicina e com o Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos (NIH), e a Universidade de St. Louis através do Dr. David Sibley, também com o Dr. Michael Grigg estão mostrando que existem várias cepas do Toxoplasma e aí sim poderá ter a resposta de quando uma toxoplasmose vai ser mais severa podendo causar dano ocular e quando ela simplesmente vai ter uma cura auto-limitada sem causar dano.
No futuro vão estar disponibilizados para que todos possam saber qual o seu tipo de toxoplasmose e qual o risco que ela vai apresentar no futuro. Então essa capacidade de predizer, do que poderá acontecer, vai ser uma mudança significativa no controle dessa doença. As pessoas que tiverem uma doença pela cepa tipo II, por exemplo, que é a menos agressiva, vão fazer um controle caso elas tenham algum sintoma. As pessoas que tem a cepa tipo I vão fazer controles clínicos mais freqüentes. E aquelas que tem a cepa mutante com certeza vão utilizar tratamentos preventivos além dos controles clínicos freqüentes.

Viver Saúde – O doutor tem um estudo sobre a doença que é referência internacional. Quais as novidades sobre a doença e o tratamento?

Silveira – Uma das novidades é que diferente do que se pensava anteriormente a doença ocular por exemplo, não é um evento isolado dentro do olho. Ela ocorre muitas vezes acompanhada de um acometimento sistêmico. O parasita está circulando no sangue periférico ao mesmo tempo ou antes de invadir o olho e causar as lesões oculares, tanto a lesão primária como as recorrências. Pensava-se que o parasita, uma vez instalado no olho, poderia romper um cisto dentro do olho e causar lesão. Agora, não só isso, ele pode, ao mesmo tempo em que rompe um cisto no olho, estar presente no sangue periférico mostrando que o evento é sistêmico e exige uma abordagem sistêmica de tratamento.
Existem também novidades sobre tratamento preventivo, num trabalho
publicado também pelo nosso grupo no American Journal of Ophthalmology, em 2002. Esse tratamento é utilizado hoje em todo o mundo. Ele mostrou que sulfametoxazol+ trimetoprim usado de 3 em 3 dias em dose baixa por um longo período pode diminuir as recorrências em 75% dos casos e nos outros 25% dos casos em que ela ainda aparece, ela não aparece de forma tão agressiva. Esse trabalho já tem uma atualização apresentada no Congresso Internacional dos 100 anos do Toxoplasma em Búzios, Rio de Janeiro, quanto à medicação utilizada e a freqüência da medicação.
Quanto ao tratamento da fase aguda, permanece o tratamento clássico, que existe há mais de 50 anos com utilização de drogas como a sulfadiazina e pirimetamina que tem muitos problemas com efeitos tóxicos inerentes a essas drogas. Sempre que utilizadas elas devem ter um acompanhamento clínico para evitar as complicações. Outras drogas estão surgindo atualmente que são menos tóxicas e são tão eficazes quanto as antigas. Algumas tem até a capacidade de penetrar nos cistos, sendo então mais efetivas do que as drogas antigas. Nem todas estão disponíveis no Brasil mas, hoje em dia, mesmo uma droga que é utilizada nos Estados Unidos ou Europa pode chegar ao paciente. São utilizadas em casos especiais, que não estão sendo controlados com drogas usuais.

Viver Saúde – Considerações que o doutor julga importante sobre esse tema para a população de forma geral:

Silveira – A primeira consideração importante é que essa doença pode ser evitada por hábitos de higiene, por exemplo, através da ingestão de alimentos bem higienizados.
• Consumir saladas colocadas em solução de água com vinagre por alguns minutos. Essa solução não tem a capacidade de matar o oocisto, mas de liberá-lo de uma folha de alface, por exemplo, que depois passada em água corrente vai elimina-lo mecanicamente.
• Ingestão de carnes bem cozidas, que evita essa e outras doenças.
• Congelamento de carnes por um período de sete dias também elimina o maior risco de contaminação dessa doença, que é o cisto do toxoplasma.
• Cuidar sempre com as carnes que não estão cozidas porque o cisto fica viável por muito tempo nessas carnes. Mesmo que elas estejam em geladeira, ele não é eliminado, apenas com o congelamento. Isso vale também para os embutidos, lingüiças caseiras.
• Lavar as mãos antes das refeições, após o contato com o solo e com animais e após o contato com carnes cruas. Lavar as facas e a tábua de carne e evitar que seja usada para cortar temperos e legumes que serão consumidos crus.
• Consumir água filtrada ou fervida e manter os reservatórios de água limpos e fechados.
• As gestantes devem ter cuidados redobrados, nunca devem limpar as fezes de gato da caixa de areia, que é um momento em que elas podem se contaminar. Se forem lidar com o solo, horta ou jardim usar luvas ou lavar as mãos escovando as unhas após o manuseio da terra.
• Cozinhar carnes em microondas não mata o toxoplasma.

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